Capítulo VI

Shot014  "Ninguém sabe quanto tempo pode durar um segundo de sofrimento." (Graham Greene)

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O incêndio, aliado ao episódio da prisão de Sir William, foram os motivos que os seus inimigos acharam para iniciar uma campanha de destruição de sua pessoa e sua fortuna.

Foi comprovado, pela perícia dos bombeiros da cidade de Londres, que a caldeira da ala infantil, que causou a tragédia com a explosão, o fez por negligência dos técnicos incumbidos da sua manutenção.

Lord Mulney, não resistiu à perda da esposa e filhos e cometeu suicídio: outro duro golpe para Sir William.

As indenizações, que tiveram que ser pagas às famílias das vítimas foram arruinando a fortuna de Sir William, que teve que se desfazer de suas participações bancárias e vender suas indústrias para arcar com os pagamentos.

Quando Sir William começou a não mais poder custear as inúmeras subvenções altruísticas que fazia, as pessoas o foram abandonando, em busca de outros benfeitores.

Pouco saia do Castelo Delbury, o qual se tornou o seu claustro. Quando precisava sair, sentia-se constrangido, pois era olhado, quando reconhecido, como o culpado pela tragédia do Saint Paul, onde houvera morrido mais de 50 pessoas, entre elas mais de 20 crianças.

Dois anos após a tragédia do Saint Paul, perdeu John, seu fiel mordomo, tomado pela pneumonia, no rigoroso inverno londrino.

Ao cabo de dez anos, desde o incêndio do Saint Paul, Sir William Delbury se viu obrigado a vender o grande Delbury Castle.

Resolveu abandonar Londres, a cidade em que nascera e onde passou seus poucos momentos de prazer e suas singulares tragédias: nada mais ali o prendia.

Sempre fora um homem recatado, mas agora a cidade o ignorava por completo. Não conseguia aceitar, e entender, por que a cidade a qual tantos serviços houvera prestado, agora lhe virava as costas, como se um criminoso perigoso fosse.

Com o dinheiro da venda do Delbury Castle, comprou uma modesta casa em Stratford-on-Avon, onde nascera a sua única amada, a Senhorita Stantson, a cerca de 100 quilômetros de Londres.

Achou que no interior as pessoas, sem lhe saberem a história, poderiam aceitar-lhe.

Ledo engano. Os homens carregam consigo os seus mistérios, não podem deixá-los para trás, e bastam alguns dias para que a curiosidade os revele aos outros: em pouco mais de um mês toda a pequena Stratford-on-Avon sabia quem era o seu novo morador.

A história já chegara lá deturpada, ao sabor das versões, que sobrevivem aos fatos e os sufocam: Stratford-on-Avon acreditava piamente, que aquele senhor houvera ateado fogo ao Saint Paul para receber o dinheiro do seguro, pois estava em dificuldades financeiras.

Sir William Delbury, aos olhos daquela gente, se havia transformado no diabo em figura de gente.

As lembranças de Sir William passaram a ser as suas constantes companheiras. Rememorar seus tempos de jovem, ao lado de seus amigos no The Cat, e as carícias da Senhorita Stantson, começaram a ser torturas insuportáveis.

Chorava convulsivamente ao se misturar ao sorriso da sua bela amada, o terror estampado na cabeça, separada do corpo, do velho Abade, ou do bebê Mulney.

Não suportava lembrar a expressão lúgubre, estampada no rosto cadavérico de Lord Mulney, pendurado em uma corda, no living do Mulney’s Castle.

Aquelas visões se tornavam cada vez mais constantes e incontroláveis.

Desejava, às vezes, que aquele cavalheiro o estivesse a esperar na sala, para conversarem: a solidão o atormentava de tal forma que mesmo o diabo poderia lhe ser uma agradável companhia.

Mas nem ele aparecera mais, desde o último encontro no Delbury Castle.

William provava o gosto amargo do esquecimento: a morte em vida. O suplício insuportável da solidão.

Em uma noite tépida de verão, Sir William Delbury resolveu por fim ao seu sofrimento que parecia eterno. Já houvera comprado uma arma para este fim.

Sentou-se à cadeira ao lado da janela. A lua clara e alta emprestava uma tênue luz à pradaria e, mais adiante, se refletia no Avon River, que cortava a pequena cidade: era, deveras, uma bela noite para morrer, pensou Sir William.

Engatilhou a arma. Enfiou o cano à boca: segurando com firmeza, puxou o gatilho.

O silêncio da noite enluarada foi rompido com o estampido seco do tiro. As perdizes, que faziam ninho ao largo, saíram em revoada, formando um belo quadro com a penumbra da Lua, que àquela hora se escondera por detrás de uma nuvem, como que a não querer ver o suicídio.

Pobre William Delbury: não acabaria ali o seu destino.

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