Capítulo IV

Shot016"O caminho do inferno é pavimentado de boas intenções." (Karl Marx)

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Desde aquele dia, Sir William passava quase o dia todo recolhido à capela do Castelo Delbury, orando.

Achava que se clamara tanto pelo diabo e este aparecera, clamaria mil vezes mais por Deus e este apareceria para salvar-lhe daquela tragédia.

Pensou em contar tudo ao seu fiel amigo, Lord Mulney, mas desistiu, pois a história iria parecer inverossímil.

Dobrou as doações que fazia, na esperança de que um milagre ocorresse.

Lord Mulney decidiu que seu filho nasceria na ala infantil do Saint Paul. Além de ele ser o diretor da ala, aquele era o melhor hospital infantil da Inglaterra.

Havia mais de cem crianças nas enfermarias daquela ala. Ricas e pobres, todas ali recebiam os melhores cuidados.

Assim que Sir William foi avisado de que a Senhora Mulney tinha dado entrada no Saint Paul, com as dores do parto, recolheu-se à capela do Castelo Delbury e orava ardentemente.

Por volta das 02h00m de uma madrugada tépida do verão londrino, Sir William foi despertado da concentração em que se encontrava, na oração, pelos gritos de Lord Mulney, avisando do nascimento de Robertson Mulney II.

A notícia o fez cair em prantos, abraçado ao amigo, que o puxava pelo braço para ir ao Saint Paul ver o seu afilhado: ele seria o padrinho do recém nascido.

Desculpou-se. Estava por demais cansado. Orara a noite toda para tudo correr bem e iria ver seu afilhado pela manhã.

Ao se recolher, Sir William não deixava de ouvir a voz seca e serena: no dia em que nascer. Nem um dia depois.

O nascimento se dera por volta dos 00h30min daquele dia, segundo lhe dissera Lord Mulney, ao chegar, por volta das 02h00m, no Castelo Delbury. Sir William teria, então, quase 22 horas para pensar no que poderia fazer.

A Abadia de Westminster nunca parecera tão grave aos olhos de Sir William. Gostava de observar a Capela Central e houvera, inclusive, doado enormes lâminas de vidro, para aplicar sobre as pinturas, impedindo assim a ação direta da poeira sobre os afrescos.

Naquele momento, homens suspendiam, através de cordas, a lâmina de vidro que protegeria a pintura maior da lateral esquerda da capela.

Sir William observava o trabalho, enquanto esperava o Abade, que apressou-se em levantar de sua sesta, quando lhe foi anunciada a chegada do amigo.

Sir William estava decidido a contar tudo ao Abade, dividiria com ele a sua tragédia, talvez ele pudesse lhe ajudar em um momento tão dramático.

O Abade desceu as escadas e abraçou efusivamente Sir William.

- Soube que Lord Mulney é pai e você será o padrinho do pequeno Mulney!

- É sobre isto que venho lhe falar.

- Quer fazer o batismo aqui?

- Não se trata disto. É sobre algo terrível que lhe preciso falar.

Um estalo seco se ouviu do alto. Sir William levantou a vista e pode notar a enorme lâmina de vidro caindo como uma lança, a cerca de 4 metros à direita de onde estava, na nave esquerda da Capela.

Pela trajetória da queda, a lâmina se espatifaria no corrimão da escada de acesso ao púlpito, a cerca de 1 metro do chão. Os dois correram em sentido oposto ao da provável queda da lâmina, para que não fossem atingidos pelos estilhaços.

Ao correr, Sir William viu que o Abade houvera parado e fitava, estatelado, um enorme estilhaço que voava em sua direção.

Sir William gritou e o puxou ao chão. Ao cair no chão, juntamente com o Abade, não notou que só levara ao chão já o corpo do Abade, separado da cabeça: o estilhaço afiado, que houvera estourado ao se partir o vidro com o mármore do corrimão da escada, houvera degolado o Abade.

A tragédia entristeceu Londres. Sir William chegou à beira da loucura. Culpou-se pela morte do Abade. Tinha absoluta certeza de que não fora o acaso: o Abade fora morto para não ouvir o que ele se propusera a contar.

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